Versão 2005
25 Fevereiro 2005
Fórum Municipal Romeu Correia (Almada)
Integrado na IX Mostra de Teatro de Almada

O lugar das coisas
Fórum Municipal Romeu Correia (Almada)
Integrado na IX Mostra de Teatro de Almada


O lugar das coisas
[…] O espectáculo apresenta-se ao espectador como se já tivesse começado no momento em que este entra na sala. Os dois actores (John Romão e Maria João Machado) dispõem-se a uma exposição crua e descarnada, recusando assim um tempo que todos reconhecem como lhes pertencendo. O que quer que se possa passar nos bastidores do palco, os dois intérpretes apresentam em cena. Dessa forma, o espectador é levado a concluir que a proposta a que assiste pertence a um outro tempo que não o teatral e a uma outra realidade que não a da ilusão cénica. Talvez à da fotografia, que assenta num desejo de partilha nunca consumado (é essa uma das hipóteses de discurso que os dois propõem). Afinal, intérpretes e espectadores serão sempre duas forças em confronto.
A aposta em mostrar a preparação aproxima-se de uma recusa da ideia de que quem cria não se projecta no que apresenta. Os intérpretes estabelecem assim uma cumplicidade com quem também se prepara. No caso, para assistir ao espectáculo. Uma e outra parte, iguais em nome de uma experiência que se quer partilhada, mais do que apresentada. Assim, o espectáculo reclama a presença e a atenção de quem vê de formas nem sempre evidentes, mas que pretendem questionar as razões que levam alguém a optar ver um espectáculo de teatro. E, no limite, perceber que importância esse espectáculo têm. Why Can I Be Me aparenta, por isso, ser construído em função do espectador, uma vez que os criadores se batem pela ideia de um público activo, manifestante e actuante. Um público que perceba que não existe criação sem uma audiência e vice-versa. […]
Os criadores não pretendem fazer esta busca sozinhos e apostam num processo de sedução junto do espectador. Sedução essa que passa pela surpresa. Nomeadamente quando projectam um vídeo acabado de gravar que mostra as reacções do público a um número de playback feito por um travesti (Óscar Reis).
Durante a actuação deste travesti - distante da imagem de glamour que normalmente reconhecemos -, o público é levado a sentir que aquele limite de exposição é o que John Romão e Maria João Machado procuram, uma vez que mais do que se confundirem sexos, histórias e universos referenciais, o travesti é uma espécie de símbolo máximo da 'personagem'. Contudo, o jogo teatral está colocado na plateia, já que é ela que se expõe. E durante o mesmo tempo da canção utilizada, somos confrontados com o nosso comportamento. Deixamos, portanto, de ser anónimos espectadores para passarmos à condição de decisores. O que, em última instância, somos sempre que escolhemos ir ver um espectáculo. […] Mais do que uma proposta sobre o quotidiano (teatral ou não), Why Can I Be Me é uma busca de um sentido para saber a importância que as coisas têm. E, em última instância, nada é inocente. Como no princípio.
A aposta em mostrar a preparação aproxima-se de uma recusa da ideia de que quem cria não se projecta no que apresenta. Os intérpretes estabelecem assim uma cumplicidade com quem também se prepara. No caso, para assistir ao espectáculo. Uma e outra parte, iguais em nome de uma experiência que se quer partilhada, mais do que apresentada. Assim, o espectáculo reclama a presença e a atenção de quem vê de formas nem sempre evidentes, mas que pretendem questionar as razões que levam alguém a optar ver um espectáculo de teatro. E, no limite, perceber que importância esse espectáculo têm. Why Can I Be Me aparenta, por isso, ser construído em função do espectador, uma vez que os criadores se batem pela ideia de um público activo, manifestante e actuante. Um público que perceba que não existe criação sem uma audiência e vice-versa. […]
Os criadores não pretendem fazer esta busca sozinhos e apostam num processo de sedução junto do espectador. Sedução essa que passa pela surpresa. Nomeadamente quando projectam um vídeo acabado de gravar que mostra as reacções do público a um número de playback feito por um travesti (Óscar Reis).
Durante a actuação deste travesti - distante da imagem de glamour que normalmente reconhecemos -, o público é levado a sentir que aquele limite de exposição é o que John Romão e Maria João Machado procuram, uma vez que mais do que se confundirem sexos, histórias e universos referenciais, o travesti é uma espécie de símbolo máximo da 'personagem'. Contudo, o jogo teatral está colocado na plateia, já que é ela que se expõe. E durante o mesmo tempo da canção utilizada, somos confrontados com o nosso comportamento. Deixamos, portanto, de ser anónimos espectadores para passarmos à condição de decisores. O que, em última instância, somos sempre que escolhemos ir ver um espectáculo. […] Mais do que uma proposta sobre o quotidiano (teatral ou não), Why Can I Be Me é uma busca de um sentido para saber a importância que as coisas têm. E, em última instância, nada é inocente. Como no princípio.
Tiago Bartolomeu Costa
Direcção: John Romão
Co-criação e interpretação: John Romão e Maria João Machado
Participação especial: Óscar Reis e Banda Filarmónica da Academia Almadense
Desenho de luz: Celestino Verdades
Figurinos: Rita Álvares Pereira
Fotografias: Rui Eduardo Botas
Produção executiva: Joana Camacho
Produção: Murmuriu
Apoio: Câmara Municipal de Almada
Versão 2006
3, 4, 5 Fevereiro 2006
Incrível Almadense (Almada)
Um espaço de festas recreativas, uma actriz, um actor e um travesti (copy-paste da sua realidade social para a realidade teatral) confrontam-se em cena. O travesti canta com a sua própria voz. A actriz revolta-se com o trabalho escasso e seduz o público afim de lhe dar de comer. O actor tenta criar um objecto artístico em directo, teorizando pateticamente sobre o corpo do travesti que martelou a uma cadeira.
Estes corpos, que ingerem compulsivamente e expulsam com horror, constroem paisagens visuais que misturam músicas, textos soltos e molhos de fast-foods, os quais são utilizados de forma insana e sangrenta, revelando a sua vertente de fruição libidinosa e consumista, o que propõe um trajecto que ultrapassa a representação cultural e se transforma num repertório de “fluxos” (Paul McCarthy).
Why Can I Be Me experimenta reflexos e equiparações entre arte e civilização, tentando-se provar que ambas são construções ou “corpos” culturais, e que nenhum dos dois é superior ao outro. Alimentam-se sim mutuamente porque padecem dos mesmos disfarces, algo que me permite entrecruzar o “eu artista” com uma reflexão sobre o “eu universal”, e reproduzir as rupturas interiores do indivíduo. Um indivíduo entendido como torpe actor e como patético construtor desse eu interior.
Estes corpos, que ingerem compulsivamente e expulsam com horror, constroem paisagens visuais que misturam músicas, textos soltos e molhos de fast-foods, os quais são utilizados de forma insana e sangrenta, revelando a sua vertente de fruição libidinosa e consumista, o que propõe um trajecto que ultrapassa a representação cultural e se transforma num repertório de “fluxos” (Paul McCarthy).
Why Can I Be Me experimenta reflexos e equiparações entre arte e civilização, tentando-se provar que ambas são construções ou “corpos” culturais, e que nenhum dos dois é superior ao outro. Alimentam-se sim mutuamente porque padecem dos mesmos disfarces, algo que me permite entrecruzar o “eu artista” com uma reflexão sobre o “eu universal”, e reproduzir as rupturas interiores do indivíduo. Um indivíduo entendido como torpe actor e como patético construtor desse eu interior.
Direcção: John Romão
Interpretação: Cláudia Chéu, John Romão, Nyma
Desenho de luz: Celestino Verdades
Vídeos: John Romão com Maciej Michalski
Fotografia: Mário Rui Vieira
Produção executiva: Joana Camacho
Assistência de produção: Joana Serra
Produção: Murmuriu
Apoios: Câmara Municipal de Almada, CCB (Centro Cultural de Belém), Casa Conveniente, Instituto Português da Juventude